domingo, 27 de janeiro de 2013

Memória

 

Escrevi sobre este assunto em 2008, no meu falecido Multiply.
Oportuno demais falar no mesmo assunto agora, com as noticias que acordaram “a nação”, neste domingo;

 

Ahhh, a memória fraca da nação.

A memória fraca do mundo.

Quem se lembra do nome "Ycuá Bolaños"?? (não vale procurar agora no Google);

Alguém aí se lembra de Juan Pío Paiva??

Ontem eu estava em um treinamento, Atualmente  minha vida tem sido somente treinamentos, rotineiros, para lembrar aos mortais (TODOS OS DIAS) a absurda obviedade de olhar por onde andam, de não criarem pânico ao ouvir alarmes de incêndio (de não correrem, não se empurrarem, de não obstruir as passagens, de não voltarem, de não se trancarem nos banheiros) e de mostrar ao imenso contingente de funcionários, que existem criaturas desocupadas como eu, que se preocupam com o que nunca deve acontecer. (Digo, passo a minha vida a evitar acidentes. Por obrigação sou prevencionista. Por natureza sou pessimista. E por razões que só destino conhece, sou Técnica de Segurança do Trabalho. Não me alongo nas questões filosóficas do assunto, pq there is no time).

Mas eu me preocupo, como ia dizendo, com as coisas que passo o dia inteiro a evitar e a prevenir: Acidentes. Então estava eu lá, nesse treinamento de Abandono de Área em Casos de Emergência, mostrando pro pessoal que estamos treinando e inspecionando continuamente para que qualquer situação seja controlada rapidamente, que as saídas de emergência estão todas em perfeita ordem e funcionamento, que existem planos de fuga e rotas para que as pessoas saiam em segurança para longe do perigo, e que essas coisas existem para evitar tragédias.

Tragédias como a causada por Juan e seu filho Daniel, que jogaram a culpa do horror causado em cima de um morto, (o falecido Vicente Ruiz);

Aahhhnnn... mas vc não se lembra dessas pessoas?? Claro que não. O mundo está estava mais preocupado com a bunda da mulher-melancia, ou com a abutrice descarada do caso da Família Nardoni. (E hoje com a boate incendiada de Santa Maria);

Pra quem não se lembra, esses cidadãos são personagens de uma tragédia que se desenrolou em 2004. Lembram do supermercado em Assunção no Paraguai, que pegou fogo, e as portas foram fechadas no início do incêndio, para evitar saques e evitar que as pesosas saíssem sem pagar?

400 pessoas morreram, e cerca de 500 ficaram feridas.

Onde estarão esses caras? A última notícia que tive deles, foi em fevereiro (de 2008), quando encaravam o 2º julgamento.

SEGUNDO JULGAMENTO!! Quatro anos depois. Do qual saíram com a sentença de 6 meses de prisão. Por 400 vidas.

Update de 2013: a condenação dos responsáveis foi reduzida ao pagamento de cento e poucas cestas básicas;

Eu caminho dia todo pela fábrica, reclamando quando vejo uma saída de emergência obstruída. Passo o tempo todo fazendo orientações para que as pessoas conheçam os sistemas de extinção de incêndio. Que reconheçam alarmes sonoros e os sinais de perigo. Que conheçam as rotas de fuga. Acima de tudo, passo o dia todo fazendo com que os processos de trabalho não ofereçam nenhum risco de explosão, de princípio de incêndio, nenhum acidente. Quero que os funcionários saiam da fábrica no fim do expediente da mesma maneira que iniciaram suas atividades: ILESOS.

 

Costumo dizer a eles quando são contratados e passam pelo meu “desocupado” setor: Não quero transformá-los em pessimistas, mas sim em prevencionistas; Quero que usem o cerébro mais do que a cerveja do final de semana. Quero que pensem naqueles que esperam por eles em casa. Quero que se cuidem e evitem colocar-se voluntariamente em risco.

 

Parafraseando (longamente) Roberto Barreto Catende:

"As veias da nossa sofrida latina América continuam abertas, em compensação, já conseguimos fechar as portas do templo do consumo para que ninguém escape ao incêndio. Choro mares de tristeza pelos meus irmãos paraguaios. Homens agarrados a garrafas de água mineral, despejando desesperadamente o líquido sobre a cabeça, em vão combate contra as chamas. Mulheres que tomaram o lugar dos produtos em geladeiras verticais, como se fossem participantes de um daqueles filmes de ficção que congelam humanos para o futuro. Crianças aos gritos e choros lancinantes, sentadas entre labaredas, açoitadas pelos estalos do fogo que não era outro senão do próprio inferno, alçado das profundezas por um elevador que tinha como ascensorista o próprio Satanás. Corpos e corpos como estátuas, a maioria nas áreas de alimentos, desidratados pela fúria ígnea avassaladora de um vulcão que todos imaginavam extinto..." (o texto na íntegra AQUI).

 

Me pergunto... até onde? Até quando nossas memórias serão substituídas instantaneamente pelo novo BBB, pela nova "mulher-alguma-coisa" ou por uma nova tragédia?

 

Não só nossa memória, como também a mídia é perversa e manipuladora! Usa descaradamente esse ou aquele ícone como bandeira, pra tapear a população sobre outros temas importantes.
Não que a vida de uma menina e sua tragédia não sejam assuntos sérios; Mas vejam, outras crianças têm sido espancadas, mutiladas e mortas desde o caso Isabela. E ninguém fala absolutamente nada sobre elas.

Não que as pessoas que agora choram em Santa Maria, não mereçam nosso respeito por sua perda, sua dor. Mas está lá a Mídia caçando culpados como se fossem bruxas, ao invés de educar a população sobre situações de emergência. Ao invés de lutar por uma grade disciplinar escolar que forme cidadãos conscientes dos riscos diários a que se expõe;

 

O “espetáculo”  deve ser banido; Há bastante coisas em que se pensar, não é brasileiros?

Mas justamente um novo “espetáculo midiático” junto com o   silêncio e a falta de interesse da mídia faz com que outras vítimas de tragédias diárias sejam esquecidas, faz com que a população tenha “memória seletiva”. Memória instantânea, que faz esquecer o passado, que faz esquecer a história;

Como as vítimas do Supermercado "Ycuá Bolaños".

 

Você se lembrava??